quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Bloqueio criativo

Tinha a tela branca em frente aos olhos. Não sabia o que escrever. Tinha estourado o prazo, "deadline", como o editor gostava de dizer com seu sotaque carioca arrastado (arraxxxtado?). Simplesmente o cursor não se movia. Tinha começado e terminado, várias vezes, algum escrito. Começou lembrando da infância. Rapidamente deletou. Falou de rotinas de todos nós; apagou, novamente, com certa impaciência. Chegou a começar um poema:

"Quero cantar solto a vida em seu momento
Quero viver junto tocando, solo, um instrumento..."

Parou. Ficou brega. Pra escrever poesia, o sujeito tem que estar muito apaixonado ou muito deprimido, concluiu. Tentou contar uma história de terror...

"Passos a seguiam lentamente. Ela, no corredor tétrico e acarpetado até o teto, ouvia, a cada passo, uma batida cálida do seu coração. O sangue fervendo, a espinha gelada e o suor, descendo vagarosamente, cético. Sentiu-se lépida, tomou de súbito o corredor à direita..."

Percebeu que tinha escrito proparoxítonas demais. Só o Chico Buarque pode usá-las assim, ao seu bel prazer. Pensou em ter uma síncope (olha ela aí de novo, hoje é dia). Pensou em ligar pro editor e ter uma conversa franca, que ensaiava há anos:

-Olha, seu carioca de merda, EU sou o artista e estou sem inspiração. Você é um desgraçado. Por que não se preocupa se a menstruação da sua filha está atrasada....

Sentiu-se contente com a própria ideia. Mas pensou que não seria de bom tom. Deveria pensar em alguma coisa pra xingar a mãe daquele idiota. Porém, com a pensão do filho mais novo atrasada, voltou a concentrar-se no que escrever.

Queria uma história de época. De repente um policial em plena Grécia. Entre deusas mitológicas e gente de sandalinha amarrada no pé e vestidinho branco. Não...provavelmente confundiriam com a Parada Gay de São Paulo. Ou um show da Lady Gaga...."É isso!", num estalo. " Vou escrever a biografia de algum artista da nova geração... pra quem eu ligo? Hummm....". Não, não há ninguém absolutamente próximo de ser interessante no mundo em que vivemos. E mesmo porque, a internet devassa a vida de todo mundo. E já se sabe que Luan Santana é gay, Gustavo Lima é pegador e Nicole Bahls, puta. Além do mais, são todos uns imbecis.

Tamborilando com os dedos no teclado, empolgou-se com o sonzinho que produzia. Uma coisa leva a outra, lembrou-se da viagem à Bahia, suas batucadas e santos profanos. Isso! Iria escrever uma história na Bahia, com bastante sensualidade, peles morenas, aristocratas e candomblé... Não, isso ele lia, quase todo dia, nos livros de Jorge Amado.

Realmente começou a preocupar-se. Depois de anos sem ter nenhum problema com ideias. Com histórias mirabolantes, inúmeros desfechos, tramas coerentes, leves ou não, mas com finais fantástico. Foi considerado " O grande talento da nova geração", pelo Estadão. "De leitura fácil e complexa, subverte a ordem e faz o leitor pensar, acompanhe no gráfico", pela Folha. Recebeu elogios rasgados por todos os jornais do Brasil. Era considerado, bem quisto, admirado. Comeu umas 4 ou 5 gatas depois de aparecer no Fantástico.  Era o fim. Já não conseguia pensar em mais nada, nem criar nada. Pensões atrasadas, dinheiro sem entrar e nunca teve talento pra outra coisa; além da eloquência, rapidez no pensamento, uma certa tendência a picaretagem, ser safado e não ter nenhum tipo de ética...

Na manhã seguinte, se inscreveu num partido qualquer, já sonhando com a candidatura nas próximas eleições...








terça-feira, 6 de novembro de 2012

Duas coisas que eu adoro e uma que eu odeio


Inspirado na tirinha do Angeli, "Duas coisas que eu odeio e uma que adoro", resolvi escrever um textinho um pouco diferente. Cada parágrafo vou botar duas coisas que eu adoro e uma que eu odeio. Desafio aos meus parcos leitores (sim, vocês da Rússia também), a fazer um mesmo. É um excelente exercício sobre gostos. E o que é de gosto, regalos da vida, já diria minha avó.

Eu adoro ligar a rádio e ouvir uma vinheta e as palavras: "Uma hora só de música, sem intervalos". Garantia de uma hora sem a pior publicidade do mundo, os anúncios de rádio. Adoro também, picolé Chicabon. Não adianta, não gosto dos frescos, com sabores aristocráticos como "macadâmia", ou de marcas famosas. Gosto do Chicabon. E eu odeio sair do banho e notar que não tem tapetinho. Pra desespero da minha mulher, eu seco o pé no tapetinho. Quando eu noto que não tem tapetinho, quase estraga meu banho. Pior que isso é entrar no banho todo empolgado e notar que a toalha ficou fora, três cômodos de distância.

Eu adoro ventilador. Prosaico, mas é vero! Eu não gosto da secura do ar condicionado. Gosto do barulho, do sacudir e da refrescância fugaz do velho ventilador, daqueles que se movem, salvam sua vida por quatro segundos, depois viram o rosto, te ignorando e ventilando os quadros e papéis ao redor para, alegremente, retornar e te refrescar de novo... Eu adoro tardes de outono em países do norte. No Brasil não temos outono. Nem primavera. O mais gostoso dos países do Hemisfério Norte, é ver o verão, lentamente, indo embora. As folhas se soltando das árvores como que dizendo "tão cedo... tão cedo...". E o colorido de tons vermelho que cobre as pradarias até "la puta nieve" chegar. E odeio o Faustão. Não suporto a cara, a voz, principalmente depois que ele emagreceu. Não suporto seus relógios ostensivos, suas camisas ridículas e suas intervenções babacas nas "Videocassetadas" (que até gosto, mas sem os efeitinhos sonoros).

Eu adoro Beto Guedes. É desafinado, meio fora de época, mas minha irmã me ensinou a gostar e eu adoro. Quando ouço o tamborzinho de "Lumiar", me sinto mais conectado com a mãe-terra. E um pouco mais hippie. Adoro, também, trocar pneu; não posso ver o pneu mais baixo que me animo: "Será que está furado e vou ter que trocar?" A minha parte favorita é pisar na chave de roda, pra apertar bem. Bater a mão, ligar o carro e sair, ouvindo "uma hora só de música"! Eu odeio livros da modinha: "Cinquenta Tons de Cinza", Dan Brown, "O empinador do caralho da Pipa" e essas porcarias todas. Se todo mundo gosta, comenta, tem continuações, eu tenho uma certeza: é uma merda.

Eu adoro cheiro de chuva. Sempre penso na música "Cheiro de relva, traz do campo a brisa mansa..." Mas só a versão do Dino Franco. A Paula Fernandes é muito bonitinha mas tem menos talento que um sapo. Adoro também cheiro de alho fritando. Pode até ser que depois a comida não faça jus, mas adoro o cheirinho do alho refogando, seja pra qualquer tipo de prato. Odeio, bastante, cheiro de jaca. E de panetone. E de mel. Três coisas que eu não como nem a pedrada. Principalmente quando dizem que mel "faz bem" e que é um antibiótico natural. Não, eu não acredito em medicina caseira. Antibiótico é penicilina, terramicina e todos esses "micinas" da vida. Não, agrião amassado no alho poró, fervido com gengibre e folhas de repolho não cura absolutamente nada.

Eu adoro viajar. Adoro a ideia, a ida, a volta, a estada. Mesmo que o lugar seja uma bosta, que tenha trânsito na ida e na volta, que chova o maldito feriado inteiro. Planejo, paquero, sonho com a viagem por meses que a antecedem. Mesmo quando é pra 120 km de distância. As viagens e suas pastas pela metade, sabonetes novos e escovinhas de dentes de viagens que nunca funcionam direito, por serem macias e não se fixarem bem na base que as protege depois da escovação. Mesmo assim, adoro viajar. Adoro, também, estradas no fim do dia. Quando sol começa a se pôr, eu penso no Jack Kerouac e no "On the road". Me sinto parte do grande espetáculo da vida. Mesmo que seja só uma estradinha pra chegar mais rápido em casa.  E odeio gente que põe crianças fodidas no facebook, ou animais maltratados, ou ainda exalam sua fé e falam da importância de Jeová, Genésio, Jah, quem seja, na vida deles. Aliás, odeio gente que não sabe usar mídias sociais.

Isso, pra listar alguma das coisas que eu adoro e odeio. "Please allow me to introduce myself  I'm a man of wealth and taste", principalmente "taste". Quem me conhece sabe como sou. Podem até dizer que eu odeio mais coisas do que adoro. Mas não é verdade. É que as coisas que eu adoro, guardo mais pra mim. E as que eu odeio, meto o pau e falo à beça; quem sabe é pra expurgar de uma vez, evitar que aconteçam de novo? E não ter que ouvir, nunca mais, que a Ivete Sangalo é uma grande cantora....